O Conto da Aia

Autora: Margaret Atwood
Título original: The Handmaid’s Tale
Tradução: Ana Deiró 
Editora: Rocco
Páginas: 368

| Livro cedido em parceria com o Grupo Editorial Rocco |

Sinopse: Escrito em 1985, o romance distópico O conto da aia, da canadense Margaret Atwood, tornou-se um dos livros mais comentados em todo o mundo nos últimos meses, voltando a ocupar posição de destaque nas listas do mais vendidos em diversos países. Além de ter inspirado a série homônima (The Handmaid’s Tale, no original) produzida pelo canal de streaming Hulu, o a ficção futurista de Atwood, ambientada num Estado teocrático e totalitário em que as mulheres são vítimas preferenciais de opressão, tornando-se propriedade do governo, e o fundamentalismo se fortalece como força política, ganhou status de oráculo dos EUA da era Trump. Em meio a todo este burburinho, O conto da aia volta às prateleiras com nova capa, assinada pelo artista Laurindo Feliciano.

Desde o ano passado eu tenho pesquisado e desejado conhecer O Conto da Aia, uma das distopias mais elogiadas e premiadas que já foi adaptada para o teatro, o cinema, a ópera e - agora em 2017 - também se tornou uma série de TV.

Margaret Atwood tem hoje 77 anos
A autora, Margaret Atwood, recebeu o Arthur C. Clarke Award por O Conto da Aia. E outros títulos da escritora também receberam prêmios muito reconhecidos na literatura internacional, como o Man Booker Prize (por O Assassino Cego).

"Eu gostaria que esta história fosse diferente. Gostaria que fosse mais civilizada. Gostaria que me mostrasse sob uma luz melhor, se não mais feliz, pelo menos mais ativa, menos hesitante, menos distraída por trivialidades. Gostaria que tivesse mais forma. Gostaria que fosse sobre o amor, ou sobre súbitas tomadas de consciência importantes para a vida da gente, ou mesmo sobre pores do sol, passarinhos, temporais ou neve.
Talvez seja sobre todas essas coisas, em certo sentido; mas nesse meio-tempo há tantas outras coisas interferindo no caminho, tanto sussurrar, tanta dúvida e suposição a respeito dos outros, tanta bisbilhotice que não pode ser averiguada, tantas palavras não ditas, tantos movimentos furtivos e sigilo. E existe tanto tempo para ser suportado, tempo pesado como fritura ou cerração espessa; e então, simultaneamente estes acontecimentos em vermelho, como explosões, em ruas que de outra maneira seriam decorosas e matronais e sonambúlicas.
Lamento que haja tanto sofrimento nesta história. Lamento que esteja em fragmentos, como um corpo apanhado num fogo cruzado ou desfeito em pedaços à força. Mas não há nada que eu possa fazer para mudá-la.
Mesmo assim me dói contá-la outra vez, mais uma vez."
Offred, p. 315 

O Conto da Aia é uma publicação de 1985 e a narrativa se passa também de certa forma nos anos 80 - há muitas menções sobre a tecnologia da época. De um modo geral, não há uma explicação certeira sobre como teve início esse sistema governamental. Mas logo compreendemos que o Estados Unidos como conhecemos não existe mais e no seu lugar está a República de Gilead, que vive um regime extremista cristão.

Offred é a narradora que tenta nos explicar o que aconteceu antes da República de Gilead surgir e o que está acontecendo no presente momento. Mas devo avisá-los que é necessário uma certa calma e paciência para chegar lá.
Isso porque Offred conta de forma alinear fatos que foram desencadeando o surgimento de Gilead, assim como suas memórias da vida de “antes” em comparação com a vida de “agora”.

Um resumo simples - e sem spoilers! - seria dizer que por algum motivo não explicado houve um acúmulo de radiação em certas regiões americanas, o presidente e o congresso do Estados Unidos foram aniquilados e alguns extremistas religiosos tomaram o poder de certas regiões do país. Aparentemente há uma guerra civil em algumas regiões por “rebeldes” que são contra o sistema imposto pelos novos governantes.

Esses homens que estão no poder, cristãos extremistas, seguem as regras da Bíblia de acordo com suas vontades. Depois que tomaram o poder, as mulheres perderam todos os direitos que tinham conseguido tão arduamente. Elas não podem mais trabalhar, não têm permissão de ter uma conta bancária própria (apenas o marido ou parente masculino mais próximo pode controlar o dinheiro), não podem mais ler e sua única função é cuidar do lar e da família.

Mas, por conta talvez da radiação, há um crescimento imenso no número de pessoas estéreis. E é por isso que, de acordo com suas leis, toda mulher que não seja casada - e ainda esteja em uma idade fértil - se tornam noivas (caso sejam virgens) ou aias (caso sejam pecadoras), sendo as últimas caracterizadas pela veste vermelha.

"Eu tenho dois ovários bons. Então eles gentilmente deixaram passar meu passado pecaminoso."

As aias são mulheres que perdem o próprio nome e recebem um novo, como escravos recém-chegados ao país. Elas têm como obrigação gerar um bebê para uma família, que normalmente são de homens poderosos no novo regime e que ainda não tiveram filhos. Essas crianças serão criadas pelas esposas dos donos das aias, mas as aias nunca serão mencionadas.
Caso a aia não tenha sucesso em ter um filho em três anos, ela corre o risco de ser enviada para as áreas radioativas, onde são levados os homossexuais, as feministas e todos aqueles que não seguiram as novas regras. A morte é sempre certa. Praticamente como se fosse um novo holocausto.

Há toda uma distinção nas classes sociais das mulheres em Gilead. As Esposas dos Comandantes são as que estão no topo da “cadeia alimentar”, podendo viver com certo luxo, mas sem nenhuma liberdade. As Marthas são mulheres que já passaram da idade de terem filhos, mas ainda podem trabalhar como empregadas na casa e na cozinha. Há ainda as Esposas Econômicas, casadas com os homens pobres, que são mais “penalizadas” porque não podem contar com a ajuda das Marthas para tarefas domiciliares. E há as Tias, mulheres que se aliaram ao novo sistema para reeducar e controlar a vida das Aias. Essas, obviamente, são quem mais sofrem nesse regime. As mulheres que se revoltaram contra o sistema ficaram conhecidas como Não-Mulheres e todas foram afastadas da sociedade.

"Rita me vê e acena com a cabeça, embora seja difícil dizer se é um cumprimento ou um simples reconhecimento de minha presença, e limpa as mãos cheias de farinha no avental e vai revirar a gaveta da cozinha em busca do talão de vales de alimentos. Franzindo o cenho, arranca três vales e os estende para mim. O rosto dela poderia ser gentil se ela sorrisse. Mas o cenho franzido não é nada pessoal contra mim: é o vestido vermelho que ela desaprova, e o que ele representa. Ela acha que pode ser contagioso, como uma doença ou algum tipo de má sorte."
Offred, p. 18

O livro O Conto da Aia irá nos mostrar, por meio de Offred (que nunca revela seu nome verdadeiro), o cotidiano desse novo regime ainda em transição. Assim, como as memórias e a tristeza que essa aia guarda de tudo o que foi tirado dela.   

Offred usará todas as ferramentas cabíveis em sua restringida vida atual para sobreviver, embora lhe falte coragem para enfrentar as regras rígidas impostas por homens preconceituosos.

"Meu nome é Offred e eu pretendo sobreviver"

Quero deixar claro que não são apenas as mulheres que sofrem, todos aqueles que não seguem a mesma religião também ganham a oportunidade de se converter ou morrer. É o típico governo religioso extremista.

"O costumeiro, dizia Tia Lydia, é aquilo a que vocês estão habituadas. Isso pode não parecer costumeiro para vocês agora, mas depois de algum tempo será. Irá se tornar costumeiro."
Offred, p. 46

O Conto da Aia é uma história perturbadora e extremamente fácil de se identificar, principalmente ao analisar o crescimento da força de políticos conservadores (preconceituosos e machistas) em diversos países. Foi impossível para mim - como mulher e feminista - não sentir na pele toda a dor e a tristeza que Offred emanava em sua narrativa.  

O texto em si é muito envolvente. Embora a escritora (ou talvez a tradutora) utilize termos não tão comuns em alguns momentos, não há dificuldade alguma na leitura. Digo para vocês ainda que a principal riqueza desse enredo está na simplicidade do cotidiano e da personagem. As questões políticas de como chegaram até o poder ou sobre a guerra contra os “rebeldes” não ganha foco ou detalhamento, é como se fosse algo distante e sem importância. O que nos é mostrado é quem era Offred antes, como era sua família e sua vida, suas liberdades. E então comparamos com sua situação atual, extremamente delicada e sem futuro.

Adianto a vocês que essa não é uma história feliz e fácil. Tem muita tristeza e sofrimento acompanhando uma vida que perdeu seu valor aos olhos da sociedade. Ao mesmo tempo vemos como aqueles que estão no poder utilizam disso para favorecer as suas vontades, independentes das leis que eles mesmo criaram para o resto da população. É revoltante. Mas ao mesmo tempo é maravilhoso. Sem sombras de dúvidas, esse livro mereceu o prêmio que levou e tem motivos de sobra para ganhar tantas adaptações em diferentes mídias.


Muitos dizem que esse é livro feminista, mas concordo com essa afirmação até certo ponto. O que O Conto da Aia mostra em primeiro plano é a utilização do poder por homens com conceitos radicais (e religiosos) em relação às outras pessoas, mas principalmente às mulheres. Eles utilizam de passagens da Bíblia para fazer valer o que lhes interessa.
Offred não é uma revolucionária que vai lutar contra o sistema imposto à ela. Aliás, depois de viver três anos em uma grande lavagem cerebral, alguns dos conceitos da doutrina religiosa já deixaram de ser estranhos à ela. A luta dela é interna, para que ela nunca esqueça quem foi e também quem foram todos aqueles que lhe eram importantes. 

"Meu nome não é Offred, tenho outro nome que ninguém usa porque é proibido. Digo a mim mesma que isso não tem importância, seu nome é como o número de seu telefone, útil apenas para os outros; mas o que digo a mim mesma está errado, tem importância sim. Mantenho o conhecimento desse nome como algo escondido, algum tesouro que voltarei para escavar e buscar, algum dia. Penso nesse nome como enterrado. Esse nome tem uma aura ao seu redor, como um amuleto, um encantamento qualquer que sobreviveu de um passado inimaginavelmente distante. Deito-me em minha cama de solteiro, de noite, com os olhos fechados e o nome flutua ali, por trás de meus olhos, não totalmente ao alcance, resplandecendo na escuridão."
Offred, p. 103

Por isso, leia O Conto da Aia, independente do seu gênero ou da sua religião ou do seu posicionamento político. Essa é o tipo de história que toca nossos corações por tratar de questões que estão cada vez mais presentes em nossa vida. Nenhuma pessoa extremista (em qualquer tipo de conceito) deveria ter tanto poder em uma sociedade. 

Veja o trailer da série de TV inspirada no livro:


Confesso que ainda não assisti a série de TV (disponível no canal de streaming Hulu), mas pelo trailer já pude perceber que modernizaram um pouco a história e tornaram Offred bem mais ativa do que ela é no livro. Acredito que isso fará com que o enredo fique muito mais interessante em termos de cenas de ação. Mas tenho que ver para comprovar e isso vai demorar um pouquinho ainda. Se alguém já assistiu, por favor, me diga o que achou nos comentários! ;) 






12 comentários :

  1. Tenho interesse em ler, assistir o filme e a serie. Parece ser uma leitura muito boa e ao mesmo tempo revoltante como alguem pode ditar a vida das pessoas desse jeito e que sofrimento para essas mulheres alem da humilhação, deve deixar muitas reflexões sobre o assunto.

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  2. Oi Carolina, ouvi falar desse livro através do burburinho em volta da série, não sei qual farei primeiro, ler o livro ou ver a série, mas quero sim conhecer essa história que aborda temas complexos, envolvendo religião, extremismos, direitos das mulheres, dos gays entre outros e fiquei bem curiosa pra saber como isso se desenrola através da escrita da autora. Sua resenha positiva me deixou animada ;)

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  3. Oi, Carol!
    Estava doida para ler a sua resenha do livro!
    Adorei e achei super interessante.
    Não sei se vou ler o livro, mas com certeza vou assistir a série. E vou começar logo!
    Do que você falou, não sei se feminista é a palavra certa. É, talvez, um livro humanista. Isso está certo?
    Não só foca nas mulheres, mas nos oprimidos.
    Enfim.
    Achei super interessante!
    Você viu que o Vulgo Grace vai virar série também? Pela Netflix dessa vez e vai ser com a Anna Paquin.

    Beijooos

    www.casosacasoselivros.com
    www.livrosdateca.com

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  4. Olá
    Eu vi a série e estou doida pra ler o livro. Eu gostei bastante da adaptação. Achei muito envolvente. Eu adoro ler/ver distopias, então foi fácil. Em um dia eu vi todos os episódios disponíveis. Eu quero mais, preciso de mais. Pelo que li de sua resenha, já dá pra ver que tem bastante coisa diferente entre livro e série.

    Vidas em Preto e Branco

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  5. Achei difícil a leitura por não ter ação da protagonista, achei que ela só quer sobreviver nesse mundo e sendo apática foi a forma mais fácil pra ela.

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  6. Eu vi o trailer da serie e fiquei encantada com muito vontade de assistir, porém quero ler o livro antes, já que parece ser excelente também.

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  7. Olá,
    Estou atrás desse livro a muito tempo, sempre considerei a história incrível e extremamente real e presente no nosso mundo, tudo que é exagerado tá aí, presente no cotidiano com uma nova roupagem, a serie e a sua resenha só me deram mais vontade de ler.
    Adorei a resenha.

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  8. Uauuu, adorei a resenha!! Eu vi em algum lugar a propaganda da série, mas nem dei muita bola, pois o visual não me atraiu muito (não julgue pela capa mesmo hein?). No entanto, depois de ler essa resenha tô bem interessada!! Não sei se conseguiria ler o livro, mas a série com certeza verei. Interessante que só de ler sobre a história já me senti revoltada e alterada por essa sociedade; pelo rebaixamento, falta de expressão e "domesticação" das mulheres, além da punição de pessoas que não seguiam a religião (outro absurdo pra mim!! e tão relacionável à sociedade atual). Achei muito absurdo e quis logo que tivesse uma revolução durante a história pra destruir essa sociedade e instaurar uma justa, mas ao ver que a história é triste e a protagonista é mais passiva, já vi que isso não aconteceria. Talvez a série siga um rumo diferente e a protagonista se indigne mais (seria bom). Não conhecia o livro, mas achei bem curioso (apesar de dar uma aflição de imaginar a angústia e revolta que vou passar ao ler kkkk meu senso de justiça e igualdade não deixa)!!

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  9. Olá! Tudo bem?
    Nossa como assim eu nunca ouvi falar desse livro?! Parece-me ser um livro com um tema muito forte, uma distopia que infelizmente sabemos não ser tão fictícia assim, não foge muito da realidade de agora. E soube que tem uma série baseada nesse livro e eu fiquei muito curiosa pra saber mais sobre essa historia. Vou correr pra ler antes de ver a série!
    Beijos.

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  10. Oi, Carolina!
    Não curto o gênero distopia, e confesso que prefiro história feliz e fácil, por isso O Conto da Aia é um livro que eu dificilmente leria... Mas confesso que fiquei revoltada com as leis que envolve as mulheres, principalmente pela situação das aias, parece até um livro de terror! Ainda bem que é só ficção...
    Abraços.

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  11. Carol, esse livro está bem falado e lembro-me bem de você ter me falado sobre ele. No entanto, com tantos livros para ler, não sei se irei ler ao certo, contudo, a série eu deva ver... se tiver tempo, o que está sendo raro ultimamente! =D

    Beijos,
    Danny
    Irmãos Livreiros

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  12. Carolina!
    Em época de empoderamento feminino, esse livro parece ser um choque.
    Mesmo que seja uma distopia, ver tamanhas atrocidades serem empretadas as mulheres e aos menos favorecidos, causa certa repugnância.
    A verdade que mesmo com toda 'conspiração' por traz do regime e todo sofrimento, quero ler.
    E gostaria de assistir a série.
    Que outubro venha carregado de boas energias!
    “O tempo é teu capital; tens de o saber utilizar. Perder tempo é estragar a vida.” (Franz Kafka)
    Cheirinhos
    Rudy
    TOP COMENTARISTA DE OUTUBRO 3 livros, 3 ganhadores, participem.

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