#Mês da Fantasia: O Que é Fantasia?

Olá, leitores! Eu tenho a honra de informar a vocês que dezembro será um mês muito especial! Por quê? Porque nós quatro preparamos um calendário recheado de sorteios, resenhas e entrevistas completamente voltados para a Fantasia. Levando em conta nosso amor pelo gênero, eu abrirei o mês falando um pouquinho sobre o que é, como ele surgiu e de que modo está sendo trabalhado hoje em dia. Espero que vocês gostem e que possam aproveitar dezembro assim como nós adoraremos escrevê-lo para vocês!

Como Surgiu?

Existe um livro maravilhoso, Cambridge Companion to Fantasy Literature, que fala a respeito do gênero. Meu sonho é comprá-lo, porém ele está muito caro ainda. Enquanto isso, eu pego o livro do meu incrível professor emprestado. Esse texto terá como base alguns capítulos desse livro, caso tenham interesse!

Utilizarei o termo Fantasia (em maiúscula) para me referir ao gênero, ok? A primeira referência escrita que temos da Fantasy é feita na revista britânica The Spectator, em 1712. Joseh Addison, o autor, disse que

“Há um tipo de escrita onde o poeta praticamente perde de vista a Natureza, e entretém a imaginação de seu leitor com as características e as ações de pessoas, em sua maioria, que não possuem uma existência além daquela que lhes é dada; como as fadas, bruxos, magos, demônios e espíritos mortos. O Sr. Dryden chama isso de fairy way of writing, que é – na verdade – mais difícil do que qualquer outro modo que dependa mais da fantasiosidade do poeta, porque ele não possui nenhum modelo para seguir e precisa exercitar completamente suas próprias invenções.”, p. 7 (tradução nossa).

Addison faz menções ao que, hoje em dia, consideramos termos característicos da Fantasia. A "imaginação do leitor" e do escritor nos remete a uma longa e acalorada discussão que permeou a crítica literária do século XIX: haveria alguma diferença entre imaginação e fantasia? Muitos foram os escritores que discutiram o tema, 

“Mas foi a distinção feita por Samuel Taylor Coleridge em 1817 entre fantasia e imaginação que preparou o cenário para o debate crítico que ocuparia muito do século dezenove e que cercou argumentativamente o nascimento da narrativa fantasiosa moderna. [...], Cloredge descreve sua crescente convicção ‘que fantasia e imaginação eram duas faculdades distintas e amplamente diferentes, ao invés de serem, de acordo com a crença geral, dois nomes com o mesmo significado ou, mais afastadamente, os graus baixo e alto de um mesmo poder.’ Depois, ele descreve imaginação como ‘o poder vivo e principal agente de todas as percepções humanas’, a qualidade humana mais divina, enquanto que a fantasia ‘ não tem outro plano com o qual brincar além da estabilidade e definições. A fantasia é, sem dúvida, nada mais do que um modo de emancipar a Memória de outros tempo e espaço.’ [...] Mais de setenta anos depois, o escritor escocês George McDonald, beirando o fim de sua carreira como um dos principais fantasistas da Era Vitoriana, retornaria a distinção entre fantasia e imaginação, oferecendo sua própria variação: sobre formas de literatura, ele escreveu, ‘quando tais formas são novas personificações da verdade, nós a chamamos de produtos da Imaginação; quando elas são meras invenções, entretanto adoráveis, eu devo chamá-las de fruto da Fantasia.”, p. 9 (tradução nossa).

Conseguiram entender? (Eu demorei um pouco). A Fantasia não era bem aceita, continua não sendo, até hoje (na crítica literária, ao menos), pois o romance em ascensão do século XIX foi muito fiel ao realismo, principalmente na Inglaterra, na França e na Alemanha, onde a Fantasia continuou a dar seus pequenos passos. Apesar de controverso, pois não havia espaço para ela, acredita-se que as histórias fantásticas começaram a surgir fortemente nesse período de debate entre Fantasy x Imagination.

O Que é?

A Fantasia veio como um meio da sociedade discutir questões consideradas tabus, assim como seus gêneros "irmão", a ficção científica e o horror. É um gênero característico pela regeneração de um mundo. Foi fortemente influenciada pelos romances medievais, mitos e contos de fadas e é modernizada por J. R. R. Tolkien, C. S. Lewis e Robert E. Howard. 

Nós os conhecemos hoje pelo seu incrível trabalho em O Senhor dos Anéis, As Crônicas de Nárnia e Conan. Dentro da Fantasia existem duas grandes vertentes: a High Fantasy (Epic Fantasy) ou Sword and Socery e a Urban Fantasy.

A high-fantasy são histórias em que a narrativa se ambienta em um mundo paralelo ao do escritor. É repleto de referências celtas, medievais e arturianas. Por exemplo: O Senhor dos anéis, Game of Thrones Já a Sword and Sorcery (literalmente Espada e Bruxaria), narram anti-heróis e suas aventuras individuais num mundo sombrio e de sobrevivência precária. Exemplo: Conan, o Bárbaro, de Robert E. Howard. Ou seja claramente percebe-se que os mundos criados por esses autores não possuem qualquer relação com o nosso.

A maior conquista de Tolkien, no entanto, em retrospecto, foi na normalização da ideia de um mundo secundário. Embora ele mantenha a menção de que a ação de [O Senhor dos Anéis] ocorra na pré-história do nosso próprio mundo, isso não é sustentado, e para todos os efeitos, a Terra-Média é uma criação separada, operando totalmente fora do mundo da nossa experiência. Isto se tornou tão padronizado na Fantasia moderna que não é fácil de perceber o quão incomum era antes de Tolkien. [...]. Depois de 1955, escritores de Fantasia não mais precisavam explicar seus mundos enquadrando-os como sonhos, ou contos de viajantes, ou fornecendo-lhes qualquer vínculo ficcional para o nosso próprio mundo.", p. 65 (tradução nossa).

  

E é aí que mora a diferença entre a High e a Urban Fanstasy.

A urban-fantasy situa-se em um mundo contemporâneo, relacionada à história humana, sem deixar de ser permeadas pela presença da magia, até mesmo elementos medievais. Neste caso, é frequente uma mistura entre Fantasia, Ficção-Científica e Horror. Por exemplo, Neil Gaiman.

Como Está Sendo Trabalhada?

Mas e quanto a livros como Harry Potter, Percy Jackson, A Maldição do Tigre, Os Instrumentos Mortais? Bom, eles são uma mistura de high com urban fantasy, pois mesclam os dois mundos o nosso real e o Hogwarts, o Olimpo, etc. No entanto, também temos livros como Trono de Vidro, Filha do Sangue, Filha da Floresta que se passam completamente em outro mundo, nem um pouco relacionado ao nosso.

O importante é lembrarmos que o mundo da Fantasia sempre está em transição, algo sempre estará prestes a acontecer. O protagonista típico é um herói ou, melhor ainda, uma heroína e por meio dessa personagem nós veremos a jornada pessoal e seu papel no significativo dentro desse mundo. Sobre esse assunto, o livro O herói de mil faces, de Joseph Campbell traz uma incrível análise sensacional de todos os heróis que a História já presenciou e de como eles continuarão a serem escritos!

Existe um caminho característico pelo qual o mundo fantástico passa, o exemplo usado no Companion é a criação de Tolkien. 

"[O Senhor dos Anéis] estabelece muitas das características do gênero Fantasia, algumas delas podem ser indicadas pelos termos que John Clute introduziu à crítica de Fantasia. [...] a Terra-Média é submetida a uma Devastação, um declínio de seu estado anterior, em parte por conta das ações de Sauron, O Senhor das Trevas. A sensação de Injustiça no mundo demanda Cura, e é esse o propósito da Jornada na qual nossos heróis embarcam. É típico da jornada de portal, na definição de Mendlesohn, que os heróis (no caso hobbits) passem de um mundo familiar para um mundo desconhecido, e aprendam sobre esse mundo desconhecido principalmente por meio das explicações incontestáveis da figura de um mentor (nesse caso Gandfal). Ao longo dessa jornada, os personagens atingem Reconhecimento, a consciência de seu próprio papel na estória do mundo, e finalmente alcançam Eucatastrophe, um termo que o próprio Tolkien inventou para descrever as elevadoras características dos contos de fadas", p. 64 (tradução nossa).

O mais interessante é que podemos relacionar qualquer obra de fantasia com essas características, a transição, a jornada do herói, a reconstrução final. É um mundo no qual existem regras, caso as personagens e os eventos estejam soltos ou passíveis ao bel-prazer do escritor, os leitores percebem e fogem (eu, pelo menos). Então, é isso. Espero que vocês possam ter aprendido um pouquinho mais sobre esse gênero espetacular. E que aproveitem o restante do mês, que só promete melhorar!